" Na Síria e na Palestina, logo após os mares terem chegado a seu novo nível, uma pequena revolução parecia começar. Ao contrário da bastante conhecida Revolução Industrial, ela foi incrivelmente lenta, e a força de seu impacto não seria sentida durante milhares de anos. Mas a vida humana tomara uma estrada pela qual não havia como regressar.
Por volta de 8.000 a.C., o vilarejo de Jericó era uma amostra da revolução. Formado por pequenas casas de tijolos de barro, lá se cultivavam trigo e cevada em minúsculos pedaços de terra. Esses cereais, que originalmente cresciam em forma silvestre, foram selecionados para cultivo porque seus grãos eram grandes em comparação com os dos outros cereais encontrados na natureza. Um grão maior era mais fácil de colher e de moer, sendo transformado em uma farinha integral grosseira. Provavelmente, os habitantes dos povoados preparavam a terra, selecionavam sementes firmes, que não se despedaçavam quando maduras, e as plantavam de forma mais concentrada do que se brotassem naturalmente. Os grãos, colhidos com facas e foices de pedra, eram armazenados. Hoje, metade das calorias do mundo vem de uma pequena variedade de cereais, os primeiros dos quais foram cultivados pelos habitantes desses vilarejos do Oriente Médio.
A princípio, os habitantes de Jericó e de outros povoados semelhantes não possuíam nenhum animal doméstico. A maior parte da carne que consumiam ainda vinha de gazelas selvagens e de outros animais terrestres e aves que eles diligentemente caçavam. Mas, durante os cerca de 500 anos que passaram tentando cultivar trigo, cevada e certas ervilhas e grãos de leguminosas, começaram também a criar cabras e ovelhas em pequenos rebanhos, provavelmente nas proximidades dos vilarejos. Surgiu assim mais uma forma de provisão de alimentos, pois o rebanho servia de reserva. Evidências sugerem que as primeiras espécies de animais foram domesticadas inicialmente em regiões distintas - ovelhas nas fronteiras dos atuais Turquia e Iraque, cabras nas montanhas do Irã, gado bovino no Planalto da Anatólia. Ovelhas e cabras viviam principalmente em rebanhos, sendo, portanto, mais fáceis de reunir : amansar um deles significava amansar muitos.
Os primeiros humanos a domesticar ovelhas, cabras e bois e a mantê-los juntos em rebanhos provavelmente não foram os mesmos que iniciaram a agricultura. Plantar trigo ou domesticar cabras requeria a dedicação de pelo menos uma dúzia de homens ou mulheres com olhos bem atentos. É provável que os homens, em geral caçadores, tenham domesticado os primeiros animais e que as mulheres tenham organizado as primeiras plantações. Inicialmente, os cereais e o gado não coexistiam em harmonia. Os primeiros lavradores não queriam animais pastando perto de suas plantações, alimentando-se delas ou pisoteando-as.
Nas pequenas fazendas, o trabalho diário tinha de seguir uma programação mais rígida do que aquela que existia nos dias de vida nômade. Se era hora de capinar, de cavar ou de semear, a oportunidade tinha de ser aproveitada - ou poderia perder-se. A nova forma de vida exigia uma disciplina e uma sucessão de tarefas que contrastavam com a liberdade dos colhedores e caçadores.
Não se sabe ao certo por que esse duplo avanço aconteceu no mesmo ponto do Mediterrâneo, mas a região realmente oferecia vantagens. Mais para o interior, havia fartura de cereais com grãos particularmente grandes e ali também habitavam ovelhas e cabras que, por serem pequenas e viverem em rebanhos, eram mais fáceis de ser domesticadas do que a maioria dos grandes animais selvagens. Mas essas vantagens e essa sorte, em si, não são suficientes para explicar as mudanças. Na história do mundo, oportunidades e sorte apareceram em quantidades relativamente numerosas, mas poucos foram aqueles que souberam aproveitá-las.
Outros fatores moldaram o início dessa nova forma de vida. A elevação dos mares alagou o litoral e levou os povos para o interior, onde, como resultado, gente, ideias e hábitos se misturaram. Além disso, o clima se tornava cada vez mais quente, fazendo proliferar certas plantas e animais. Os cereais certamente cresciam numa área maior do que até então. Os animais de grande porte, tradicionalmente uma fonte vital de alimentos, ficavam mais escassos, e isso serviu de incentivo para a domesticação.
Por longos períodos, as tribos pioneiras que plantavam e criavam rebanhos tiveram de coexistir com os povos nômades. Essa convivência impunha certa tensão. Em tempos de escassez, os nômades famintos eram tentados a atacar os vilarejos, que mantinham estoques de grãos e rebanhos de animais. Os habitantes desses vilarejos, por sua vez, fortificavam-se e mantinham vigilância constante. Em maior número e mais organizados - a agricultura implicava coordenação -, geralmente enfrentavam os nômades de igual para igual em qualquer luta.
O futuro estava nas mãos dos novos fazendeiros e criadores. Ter acesso ao celeiro em tempos de fome significava ser dono de um patrimônio que nenhuma tribo nômade poderia possuir. Durante a seca, o vilarejo que tivesse um bom estoque de grãos e um rebanho de ovelhas ou cabras poderia sobreviver por mais tempo.
As pessoas podiam possuir ovelhas, mas de certa forma as ovelhas é que mandavam nas pessoas, praticamente mantendo-as presas ao vilarejo. Por isso, a forma de vida tradicional - a busca por alimentos, o saque e as alegrias das caçadas bem-sucedidas - ainda encantava. Afinal, era também uma fonte segura de subsistência, principalmente na primavera. Assim, milhares de anos depois do surgimento da lavoura e da criação de animais, muitos vilarejos ainda dependiam mais da caça e da coleta de alimentos em pântanos, florestas e planícies do que da produção de cereais, leite e carne.
A disseminação dessa nova forma de vida pelas margens do MediterrâneoEscandinávia, podiam ser vistos pequenos trechos de terra com plantações e rebanhos .
Pelo menos 2 mil anos separaram as primeiras fazendas da Grécia daquelas que surgiram próximas ao Mar Báltico. Ao nos surpreendermos com esse avanço tão lento das fazendas e dos rebanhos por toda a Europa, um obstáculo deve ser lembrado : florestas, densas ou esparsas, cobriam 80% do território. Derrubar boa parte delas com machados de pedra - os de ferro eram ainda desconhecidos - e valendo-se de milhares de pequenas fogueiras exigia paciência e muito trabalho árduo. Apanhar alimentos era bem mais fácil.
Enquanto isso, o gado havia sido levado para várias partes do norte da África, desde o Egito e a Líbia até a Argélia. Embora a África tenha importado as primeiras criações de animais e o cultivo de alimentos, lá foram domesticados o burro, usado como animal de carga, e a pequena galinha-d'angola, que acabou sendo um dos pratos favoritos nas mesas do antigo Egito e, mais tarde, de Roma. Os primeiros gatos domésticos eram africanos e tornaram-se guardiões zelosos dos estoques de grãos, que atraíam roedores. Os africanos também foram os primeiros a cultivar o painço, ou milho-miúdo, geralmente visto como um grão inferior, e os primeiros a plantar o sorgo, com seus grãos viçosos, além de arroz silvestre, inhame e palma para produzir óleo......
Enquanto os nômades passavam a maior parte do dia colhendo e caçando, a nova ordem criava especialistas, como pedreiros, ceramistas, padeiros, cervejeiros, oleiros, tecelões, costureiros, soldados, sapateiros, escavadores de valas de irrigação, zeladores de celeiros e, obviamente, fazendeiros e pastores de rebanhos. ......
A capacidade de produção de alimentos em cada região multiplicou-se por três, seis ou talvez até mais com o aperfeiçoamento do uso do solo, dos minerais e da pesca - um conjunto de conquistas que ia além das habilidades dos povos nômades. A população do mundo aumentou drasticamente. Talvez apenas 10 milhões de pessoas habitassem o mundo inteiro na época em que foram feitas as primeiras experiências com lavoura e criação de rebanhos. Mas é provável que por volta de 2000 a.C. a população do globo se aproximasse dos 90 milhões e que 2 mil anos mais tarde, na época de Cristo, fosse de quase 300 milhões de pessoas. ...... "